43ª SESSÃO SOLENE DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA IX LEGISLATURA.

 


Em 14 de outubro de 1986.

Presidida pela Vera. Gladis Mantelli – Vice-Presidente e pelo Ver. Antonio Hohlfeldt – 2º Secretário.

Secretariada pelo Ver. Antonio Hohlfeldt – 2º Secretário e pelo Ver. Adão Eliseu – Secretário “ad hoc”.

Às 14h50min, a Sra. Gladis Mantelli assume a Presidência.

 

 


A SRA. PRESIDENTE: Havendo número legal, declaro abertos os trabalhos da presente Sessão solene, destinada a homenagear o Dia do Professor.

Solicito aos Srs. Líderes de Bancada que introduzam no Plenário as autoridades e personalidades convidadas. (Pausa.)

Convido a tomarem assento à Mesa: Prof. Alfredo Santos, Coordenador da Assessoria Parlamentar da Secretaria do Estado de Educação e Cultura; Dep. Fed. Hermes Zanetti, Secretário de Assuntos Internacionais da Confederação de Professores do Brasil; Prof. Martim Saraiva Barbosa, do Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul; Profa. Ana Lúcia Velinho D’Angelo, da Associação de Professores Municipais; Sr. Waldir José Bohngass, da União das Associações de Moradores de Porto Alegre – UAMPA e Profa. Antônia Medina, da Divisão de Educação Escolar, representando o Sr. Secretário da SMEC.

Falarão em nome da Casa os Srs. Vereadores: Adão Eliseu, pela Bancada do PDT e pela Comissão de Educação e Cultura da CMPA; Mano José, pelas Bancadas do PDS e do PFL; Antonio Hohlfeldt, pela Bancada do PT, e Gladis Mantelli, autora da proposição, que falará pelas Bancadas do PMDB e do PCB.

Com a palavra, o Sr. Adão Eliseu.

 

 O SR. ADÃO ELISEU: Sra. Presidente, Srs. Vereadores, Srs. Convidados, coube-me a honrosa tarefa de registrar nos Anais da Casa, o pronunciamento do PDT, nesta data.

De 1940 a 1943 quase quarenta mil professores poloneses foram fuzilados pelas tropas especiais da SS sob ordem direta de Hitler. O ditador nazista pretendia transformar a Polônia numa região de colonização alemão, tornando os eslavos servos embrutecidos da nova “raça de senhores”. Tinha perfeito conhecimento do que representava para uma nação a eliminação do seu corpo docente.

Este exemplo tirado da história recente nos remete ao problema, não só da função social do professor, como também do que o magistério representa na vida intelectual e cultural de um país.

Para os desatentos, o exercício do magistério parece uma das atividades sociais mais amenas. É um equívoco imaginar que os professores, ao longo do tempo e ao longo da História, tiveram uma vida profissional tranqüila e sem sobressaltos.

Em verdade, nenhuma categoria profissional é mais atingida quando ocorrem transformações políticas, até porque, os professores ou são instrumentos da ideologia política dominante ou a contestam.

Exemplificando, mesmo na democrática Atenas, Sócrates foi condenado à morte sob a acusação de “impiedade, ateísmo e corrupção da juventude”,

Mais tarde, em 1600, Giordano Bruno, professor da Sorbone, teve seu corpo devorado pelas chamas da Inquisição por haver defendido as teorias de Copérnico. Por ensinar a rotação da Terra, Galileu também foi processado. Não menos ilustrativo é o episódio datado de 1925, nos Estados Unidos, quando um obscuro professor rural foi processado por ensinar aos seus alunos a “Teoria da Evolução das Espécies”, de Charles Darwin, consagrada desde 1859. Os ensinamentos do professor, na época, contrariavam a versão bíblica da formação da Natureza e do Homem.

Repetimos: ao longo do tempo e ao longo da História, encontramos situações semelhantes.

E por que isto ocorre?

Isto ocorre por uma razão muito simples: o pensamento sempre abala a ordem estabelecida.

De outra parte, toda ordem estabelecida, calcada em privilégios e valores intelectuais e culturais (ideologia), sente-se ameaçada pela ação do pensamento.

Mussolini, o ditador fascista (1922-1943), definiu bem esta realidade quando determinou a prisão do filósofo Antonio Gramsci. Disse Mussolini: “este cérebro tem que estar atrás das grades”.

Exatamente por lidar com ideais, lidar com valores, transmitir informações, determinar a razão de ser das coisas, abalar mentes, sacudi-las, transportar os indivíduos do fundo da caverna do não-saber para o mundo do conhecimento e da verdade, é que os professores muitas vezes se tornam o terror dos tiranos.

Não foi por acaso que Goering, criador da Gestapo, declarou: “Quando me falam de cultura eu saco o revólver”.

No Brasil recente, se os nossos ditadores não “sacavam o revólver” quando ouviam falar em cultura, sacavam das salas de aula os mais cultos professores, através dos Atos Institucionais, IPMs e perseguições políticas de toda ordem, instrumentos preferidos dos obscurantistas que infelicitaram a Nação brasileira nestas últimas duas décadas.

No entanto, o que espanta a todos nós, nesta heróica resistência através dos séculos, é a fragilidade dos professores.

Suas armas são rudimentares: um par de livros, um caderno de anotações, uma barra de giz e A PALAVRA!

Fisicamente não se destacam por nenhuma demonstração de vigor, pelo contrário. Em muitas comunidades, os inaptos para o trabalho físico é que tinham o encargo de educar as crianças. Normalmente são tipos nervosos, sensíveis e neurotizados por um trabalho estafante e pouco gratificante em termos econômicos. Aliás, por falar em vencimentos, poucos alunos sabem que o professor somente recebe aumentos quantitativos; quer dizer, só recebe maior salário dando mais aulas. Poucos estabelecimentos de ensino pagam o professor por tempo de serviço ou por estar mais bem preparado. Quais são os resultados disto? Para manter seu “status social” de classe média, o professor é obrigado a dar o maior número possível de aulas e, como dificilmente ele obtém isto em apenas um estabelecimento, é obrigado a ter três ou mais empregos.

Em grandes linhas, podemos resumir a trajetória do magistério, afirmando: na Antigüidade foram escravos; na Média idade servos; hoje são assalariados.

Todos os cidadãos conscientes sabem que os educadores são os formadores da nacionalidade e os condutores das civilizações. O reconhecimento do Estado, quanto ao valor da educação no seu conceito mais lato, eleva o nível de uma nação, conduzindo-a aos verdadeiros caminhos do desenvolvimento cultural, econômico e político. Todavia, nos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos como o nosso, as dificuldades são grandes: a vaidade, a ambição do poder e o despreparo perseguem os poderosos que dirigem os destinos dos povos. A maioria dos governantes prefere manter exércitos bem armados, inaugurar auto-estradas, pontes, viadutos e palácios e esquecem de construir escolas e de conceder a elas as boas condições para a sua infra-estrutura humana. Nós, brasileiros, sempre tivemos uma idéia poética sobre os nossos professores; raramente, porém, tomamos atitudes concretas no erguimento da situação real dos nossos professores, mal pagos e mal compreendidos. Imitamos os patrícios romanos que relegavam os seus mestres gregos a simples profissionais escravos ou que eram, por especial magnanimidade, elevados à condição de plebeus. Esse tratamento vem proporcionando a degradação do ensino e a fuga das salas de aula. Muitos professores, para sobreviverem, como dissemos, procuram outras atividades lucrativas. As condições do ensino se agravam com freqüência, especialmente com relação às crianças famintas das periferias das cidades, onde o rendimento escolar se conjuga com a alimentação. De certa forma teremos que dar nossos parabéns aos governantes que colocam a educação no topo das prioridades, sobrepondo-se às dificuldades financeiras e às contrariedades dos ciúmes políticos. Somos obrigados, nesta oportunidade, a citar o Governador do Rio de Janeiro que, audaciosamente, faz esse trabalho. Esse Governador que, hoje, constrói os templos de educação integral, os já internacionalmente conhecidos e imitados CIEP’s, em território fluminense, é o mesmo que nos idos de 1960 cobriu as coxilhas do Rio Grande com mais de 6.000 escolas. Onde quer que ele esteja, as escolas brotam para todos. A ele, pois, no dia do Professor, a nossa gratidão. Peço permissão, ao finalizar, para estender a todos os professores e professoras o meu mais respeitoso abraço pela coragem que tiveram, nos anos da ditadura, de ensinar aos seus alunos que o regime que agredia o arado do lavrador, a marmita nas fábricas, o púlpito nos templos, a cátedra nas universidades, o livro nas bibliotecas, estava destinado a desaparecer. A nossa homenagem, o nosso respeito e a nossa gratidão aos Professores no seu dia. Um abraço do PDT! Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Mano José, que falará em nome do PDS e PFL.

 

O SR. MANO JOSÉ: Sra. Presidente e Srs. Convidados, deveria ter elaborado um discurso, pois assim exige a formalidade do ato. No entanto, não o fizemos porque queremos destacar, nestas breves palavras, aquele professor que marcou em cada um de nós, aquele professor que se colocou no cantinho da nossa mente e que nós trazemos durante toda a nossa vida, aquele professor que era chamado professor primário, mas que hoje é professor de 1º grau. Aquele professor que, tirando o brilhante da terra, o pegou, fez a limpeza e começou a dar os primeiros sinais de lapidação.

O professor primário, professor de 1º grau, repito, porque ainda não obstante ter sido Secretário de Educação do Município durante 2 anos, não me habituei com a nomenclatura de 1º, 2º e 3º graus, porque de muitos anos para cá, e não foi somente na época do autoritarismo, bem antes, que as nossas autoridades têm se preocupado com a nomenclatura, mas não tem se preocupado, realmente, com a educação.

A educação é que interessa, e não interessa se é professor primário ou professor de 1º grau, mas eu quero saber aquilo que o professor está lá para fazer, se tem, realmente, o respaldo do governo, se tem o respaldo da sua comunidade através de todas as entidades que compõem esta comunidade.

Por isso, para homenagear o professor no seu dia, nós escolhemos um artigo publicado na Revista do Ensino, em outubro de 1959. Portanto, 27 anos atrás, e vamos ler este artigo.

O artigo intitula-se “Ser Professora “, escrito por Vera Lorena Echeveste, professoranda da Escola Normal N. S. da Glória – Rio Grande do Sul.

“Transportei-me espiritualmente para aquele velho casarão, corroído pelo tempo e pelas mil mágoas que encerra.

Lá encurralado, como um animal feroz, jazia aquele pobre homem que a vida nunca iluminou.

-         “Criatura, quem és?”

-         “Sou um preso, um criminoso!”

-         “E quem te atirou a isto?”

-         “A ignorância”.

 

E, enquanto me fitava com um olhar vago e opaco, parecendo implorar um pouco de compreensão, ia dizendo:

-      “Sou como um pantanal criminoso, em que somente cardos proliferam. Semeio a morte por onde passo.

Mas, por favor, não fuja de mim. Não tenha medo de um infeliz!

Estes olhos, estão cansados de chorar.

Estas mãos que ora são trêmulas e calejadas, já foram moças, cheias de vida e somente fizeram mal à humanidade.

Este cérebro, agora enuviado pela velhice, poderia ter imaginado e realizado coisas grandiosas, mas só espalhou a miséria e a desolação a seus semelhantes.

Sei que sou culpado, mas é que sempre fui um ignorante. Nunca a luz do saber brilhou perto de mim.

Nunca tive alguém que me ensinasse a compreender e admirar as cousas belas da vida.

Minha escola foi a existência desregrada e impura e, minhas mestras, a fraqueza e o vício ...”

E ele continuava a dizer: “Sou um monstro, um infeliz...”

Saí caminhando, com passos incertos, sobre aqueles corredores escuros como a alma do detento.

Fiquei meditando: “Ideal grandioso e sublime o da professora”!

Ser professora é saber minorar a ignorância, é traçar estradas novas em vidas que despontam!

É amar a humanidade, dando a todos que passam por nossas escolas, um pouco de nós mesmas.

É saber tomar aquelas mãozinhas, tão frágeis em suas infantilidades, dentro das nossas, dando-lhes um pouco de calor, um pouco mais de vida.

É ser como um farol gigantesco a iluminar almas sedentas de saber!

É ser carinhosa, compreensiva, enérgica!

É saber combater o monstro da ignorância com a arma inesgotável da cultura e da bondade!

Neste momento parei, pois parecia-me ouvir alguém dizer:

-         “Ide moça, semeai em almas puras e incultas a luz, erguei, na noite da ignorância, o sol radiante e sublime do saber, que tornará as criaturas semelhantes a Deus, pois, somente isto, as fará felizes e mais filhas do Criador!”

Deparei-me com este artigo de Vera Lorena Echeveste, li e perguntei a mim mesmo: quantas Veras, quantas Marias, quantas Terezas encontrei em dois anos de Secretário da Educação? Quantas professoras encontrei cujo ideal grandioso e sublime traziam consigo, não obstante, as dificuldades, as vicissitudes que tinham encontrado ao longo de suas vidas como mestras. Que trabalho das diretoras, meu Deus do Céu! Que trabalho pungente, empolgante, gigantesco, grandioso, das diretoras, das diretoras do Município, das diretoras do Estado que, esquecendo os seus familiares, esquecendo os seus afazeres, esquecendo da própria vida, se dedicavam à vida dos seus alunos, à vida das suas comunidades, à vida dos seus semelhantes. Assisti, por certo, cenas que jamais pensei em assistir na minha vida pública. Permitam-me que faça referência à audiência que dei à diretora de uma escola de crianças excepcionais e o susto que levei naquela tarde, quando recebi aquela diretora juntamente com o Círculo de Pais e Mestres e a uma pergunta respondi-lhe que o Projeto de sua escola, encaminhado ao MEC, havia sido perdido segundo as informações que tínhamos. Aquela diretora começou a chorar copiosamente e nós não sabíamos o porquê daquele choro convulsivo. Era porque ela já aguardava há alguns anos a construção daquela escola, para substituir a sua que já estava caindo. Esta foi uma realidade que encontramos em Porto Alegre: escolas caindo, como ainda estão hoje, em grande parte, caindo. São escolas que não têm mais condições de estarem erguidas e recebendo alunos. A vocês professoras do meu Estado, professoras da minha cidade, as minhas homenagens. A vocês, professoras municipais, que lecionam na periferia da cidade, que lecionam na Restinga, que lecionam no Mato Sampaio, que lecionam na Vila Vargas, na Lomba do Pinheiro, na Vila Santo Agostinho, a vocês, hoje, publicamente, no Dia do Professor, tenho a oportunidade de, em meu nome e do meu partido e também do PFL, render as homenagens a vocês, professores municipais, que têm sido muito comentados em jornais, porque tiram muita licença médica. Nós estamos aqui nesta Casa, onde já fizemos pronunciamentos, e me permite a diretora da DE que eu diga que na minha época 67% dos professores no inverno iam à biometria. E nós reconhecemos como coisa normal, muito normal, porque não se exige e não se pode querer que uma professora levante às seis, às quatro e meia ou às cinco da manhã, em pleno inverno – e nosso inverno é rigoroso – e possa se deslocar para tomar um ônibus para ir a uma Vila Restinga, onde leva uma hora, do Centro até lá, sem adoecer.

Professores da minha Cidade, as minhas homenagens!

Vou lembrar um fato, me permitam os presentes. A diretora da Escola América, uma moreninha simpática que era diretora na minha época, risonha, vejam o que fazia aquela diretora: aquela diretora – vejam o que está atrás do pano do palco, para ser uma boa professora – fazia pacto com os delinqüentes da Vila Vargas, porque ela queria que a sua escola estivesse inteira. E o pacto era o seguinte, diziam eles: “Se a senhora não nos denunciar nós cuidamos da sua escola”. E ela aceitava o pacto. Porque a diretora da escola iria denunciar delinqüentes? A polícia eficiente os conhece. Tínhamos na Vila Vargas a escola muito bem cuidada pelos piores delinqüentes da época. Vejam onde chega a ação de uma professora; por isso nós sempre entendemos que ao Governo compete dar à professora dignidade, eficiência, para que esta professora possa estar sempre culturalmente atualizada, para que faça da sua comunidade uma comunidade que progrida, tomando como base a educação. Para que isto aconteça, é necessário que o Governo dê a remuneração condigna ao professor, a fim de que ele tenha tranqüilidade e possa dedicar-se de corpo e alma a sua comunidade, a sua escola, as suas crianças.

Recebam, professores, senhores dirigentes de órgãos de professores, senhor representante da SEC, senhora representante da SMEC, os aplausos, os parabéns, deste Vereador que fala em nome do PDS e do PFL. Que o dia de amanhã seja um dia de reflexão para os governantes, seja um dia em que não brotem somente palavras bonitas e palavras belas – não quisemos trazer estas palavras escritas, palavras bonitas e palavras belas. Mas que brote, realmente, dos governantes, a vontade de fazer algo pela educação, a vontade de respaldar o professor, de dar condições a ele, para que, cada vez mais prossiga na sua tarefa e no seu ideal que, de acordo com as palavras de Vera Lorena Echeveste e com as quais encerramos é: “ideal grandioso e sublime”. Parabéns a todos os professores. Muito obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Antonio Hohlfeldt, que falará em nome do PT.

 

O SR. ANTONIO HOHLFELDT: Sra. Presidente e Srs. Convidados, quero hoje, aqui, falar menos enquanto Vereador e mais, e com muito orgulho, enquanto professor. Exatamente porque me parece que o dia de hoje não é um dia de festa, mas de resistência, de luta e denúncia das péssimas condições da sobrevivência ou da vivência do ensino neste País. Entendo que, enquanto faltar escola para qualquer criança ou jovem, a milhares e milhões de crianças e jovens neste País; enquanto tivermos salários nos níveis em que temos, enquanto tivermos o perigo de sermos retirados de sala de aula por problemas de ideologia, formais ou não, em que pese a formalidade recente da Nova República de acabar com as assessorias de informações dentro das universidades - sabemos que pagamos o pato, os vários patos, ao longo de anos dependendo dos Prefeitos, dos Governadores e dos Ministros, se temos posições diferentes das ditas autoridades competentes da educação; enquanto situações como estas puderem ocorrer na educação, não teremos dia de festa no 15 de outubro, mas dia de luta, de resistência e denúncia. Enquanto não tivermos cumpridas as promessas do Governador do Estado, em relação a salários, em relação aos CPMs, que continuam pedindo dinheiro até mesmo para o papel higiênico, enquanto não tivermos cumpridos os acordos com os representantes das nossas categorias, enquanto não tivermos resolvido o problema da permanente falta de salas, de professores, de péssimas possibilidades de acesso às escolas, não poderemos ter dias de festa; nós teremos dias de resistência, de denúncia e de luta para garantirmos as condições do nosso trabalho, como mencionava aqui há pouco outro vereador; enquanto se defender, como se defende no projeto oficial da Nova República o relatório do Geres, a privatização da universidade, a eleição indireta e indicação de reitor pelos presidentes da república, não temos dias de festa para nossa categoria. Enquanto não tivermos a eleição direta de diretores, de vice-diretores, não tivermos a possibilidade de uma intervenção direta de professores e alunos no Conselho Estadual e Conselho Federal de Educação, em proporcionalidade, no mínimo condizente com o papel que desempenhamos, nós não temos dia de festa no dia 15 de outubro, mas sim um dia de resistência, de luta e de denúncia. Estamos vindo de uma experiência interessante e que me orgulho ter sido um participante direto nesta cidade de Porto Alegre. A aprovação, no ano passado, de um Projeto de minha autoria pela maioria absoluta de Vereadores desta Casa – 31 votos, 31 Vereadores aqui presentes, instituindo a eleição direta de diretores e vice-diretores num Projeto que acaba de ter sua regulamentação por parte da Sra. Secretária Municipal de Educação e Cultura de Porto Alegre. É um passo muito pequeno, mas é um passo para uma luta nossa muito maior. A luta onde possamos intervir de maneira direta no processo. É um passo porque infelizmente alguns de nós  ainda guardamos preconceitos e desvios, ainda reproduzimos ideologias de dominação enquanto diretores, professores ou assessores nas nossas escolas e por vezes ainda entendemos que nós, professores, da mesma forma que somos por vezes explorados, ludibriados, enganados pelas ditas autoridades competentes, podemos também reproduzir esse tipo de processo dentro das nossas escolas e nas nossas salas de aula. Infeliz ou felizmente a educação é um processo ideológico e deveremos chegar com urgência a uma educação enquanto processo de libertação. Integro uma sigla partidária que tem, no mínimo, uma tradição de nomes dentro da área de educação; não com exclusividade, mas posso me orgulhar de lembrar Paulo Freire, Moacir Gadotti, tantos outros educadores, neste País. Perseguidos, muitas vezes, ao lado, por exemplo, de um Darci Ribeiro ao lado de tantos outros professores pelo crime de pensarem na educação nesta nação.

Parece-me que, no dia de hoje, é oportuno se lembrar e, quem sabe, se tentar corrigir uma fórmula feita que se propagou por aí de que, quando se quer falar e criticar a questão vivida pela educação no País, se fala da incompetência das autoridades. E me parece que, aqui, reside um erro fundamental: as autoridades que decidem contra a educação, neste País, não têm sido incompetentes, ao contrário, têm sido profundamente competentes e obedecem a um Projeto de preservação do poder pelas elites. E é contra isto que nós temos que nos colocar. É contra isto que a luta da educação deve se colocar, porque os modelos educacionais implantados, até hoje, visam, exatamente, a manutenção da sociedade, da manutenção de privilégios num setor mínimo através dos procedimentos espantosos do afastamento das crianças e dos jovens das escolas, da dificuldade de acesso de trabalho dos professores, das carências dos espaços de educação e por aí afora.

É lastimável se verificar que em 217 artigos da nossa esfarrapada Constituição apenas um fala de educação, neste País, o art. 176. É lastimável se verificar que, neste artigo, dentro, aliás, da melhor tradição jurídica reacionária, característica de um país subdesenvolvido como o Brasil, tudo que se afirma no essencial, no artigo, passa a ser gradualmente negado nos seus parágrafos.

Afirma-se, por exemplo, que toda criança e todo cidadão tem direito à educação e que é dever do Estado garantir esta educação. Logo depois, com uma sutileza de elefante, se diz que a educação será dada pela escola, ou no lar, anulando, desde o primeiro momento, a própria proposta constitucional que, afinal de contas, se não for dada na escola, será dada no lar e que se lixem os senhores pais que não arranjarem uma vaga para as suas crianças, que tratem da educação dos seus filhos na sua própria casa. Agora, é mais interessante o crime que se vinha planejando com cuidado, nos últimos anos, e que só o desastre da crise de desemprego neste país, talvez, tenha impedido a sua concretização: a implantação plena do ensino pago também a nível de 2º Grau. Está lá, no parágrafo 4º, do art. 176: “O Estado providenciará na crescente privatização do ensino de 3º Grau e 2º Grau”. Já se fez muito na privatização do Supletivo. Os cursinhos desta cidade e deste país que o digam, que hoje recebem fantásticas somas ao desempenhar tarefas que caberiam ao Estado. Mas se queria mais: queria-se privatizar completamente o 2º Grau. E eu não sei até que ponto este projeto que se pretende apresentar ao Congresso Nacional nos próximos dias muda muito esta situação; talvez ele busque agora, com maiores sutilezas, preservar fundamentalmente as mesmas coisas, porque aqui se diz que “À União cabe garantir o patrimônio das Universidades e também os seus orçamentos.”, mas também deixa claro que poderá haver a complementação destes orçamentos, só não diz como. Imagina-se como, dentro da nossa tradição. Teremos, quem sabe, não mais os Projetos do BNH da Educação, através da Caixa Econômica Federal, mas teremos os projetos do pagamento, pura e simples, de mensalidades e anuidades, tal qual em qualquer outra escola particular 1º, 2º ou 3º Grau. É interessante se notar que a linha inicial do Ministro Marco Maciel que, com absoluta clareza pontificava a importância do 1º Grau e inclusive nos estudos desenvolvidos pelos grupos de trabalho chamava a atenção para a importância de creches e de abrigos para as crianças a partir do seu nascimento e enfatizava o processo a nível da criança, mais do que da escola ou do pai ou do professor, mudou muito, nos últimos meses, para um discurso completamente diferente, quando se trocou a titularidade do Ministério. Nem parece que é o mesmo Governo, nem parece, sequer, que é o mesmo partido. Parece que são duas linhas absolutamente opostas. Mudou completamente o trabalho desenvolvido na Educação. Não se houve mais falar, por parte do Governo Federal, da importância do 1º Grau. E aí vai se ampliando e se projetando em tempo médio e a longo prazo uma permanente marginalização da nossa população. É evidente que se considerarmos os desafios que isso implica, uma reciclagem de pessoal, a construção de novos espaços, mas sobretudo a possibilidade do acesso à informação por parte das maiores parcelas da população brasileira, é difícil se acreditar que teremos, mesmo após uma Constituinte que se desenha profundamente conservadora no nosso País, qualquer oportunidade de se ampliar as possibilidades de educação neste País, apesar dos clamores públicos. E me parece, portanto, sobretudo por este motivo, que o dia de hoje não é um dia de  festa, é um dia de luta, é um dia de resistência, sobretudo um dia de denúncia. Esperemos quem sabe no próximo ano que professores, que funcionários, que alunos das nossas escolas não precisem mais fazer greves para terem o simples direito da educação neste País. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

(O Sr. Antonio Hohlfeldt assume a Presidência dos trabalhos.)

 

O SR. PRESIDENTE (Antonio Hohlfeldt): Pelo PMDB e pelo Partido Comunista Brasileiro falará a Vera. Gladis Mantelli, requerente desta Sessão.

 

A SRA. GLADIS MANTELLI: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, Caros Homenageados, é com grande satisfação que estamos hoje reunidos para prestar uma homenagem ao professor pela passagem de seu dia, que transcorre amanhã, dia 15. Queremos estender esta homenagem ao Magistério como um todo, aos professores da zona rural, àqueles da regiões mais pobres e distantes deste País, àqueles que ainda ganham menos de um salário mínimo, tendo que andar quilômetros para chegar à escola, aos professores que, embora trabalhando na zona urbana, enfrentam uma gama muito grande de dificuldades: substituir, em muitos casos, a família, lidar com conflitos e carências os mais diversos, deixar seus filhos para atender seus alunos, desempenhar a importante tarefa de educar! Este é o dia-a-dia do professor. Mas nós perguntamos: até que ponto ele é valorizado pela sociedade? Em que medida sua função é vista como importante? A sua participação na formação da criança e do jovem é percebida em toda sua profundidade? São questões que deixo para reflexão. A situação profissional e salarial do Magistério é, ainda hoje, muito difícil. Qualquer política educacional que não tenha como prioridade melhor remuneração deste profissional está, a meu ver, fadada a não obter sucesso.

Salário condigno, garantia de emprego a salvo de clientelismos e jogo político, vantagens de carreira, condições mínimas de trabalho são algumas das questões que precisam ser resolvidas como forma de enfrentar o grande desafio do “fracasso escolar”. Temos hoje um percentual de quase 60% de reprovação da 1ª para a 2ª série. Reduzir este índice é um grande desafio!

Entretanto, não se construirá uma educação nova, adequada à clientela predominante na escola pública, apenas melhorando o salário do Magistério. É necessário que ele participe das reformulações que deverão ser adotadas. É o processo de participação que dever se efetivar e, no caso do Magistério do ensino público, o Estado precisa iniciar este processo de abertura, consultando e ouvindo os interessados e incorporando-os no processo de decisão. Este processo demandará, por parte dos professores, organização e amadurecimento político, e, certamente, não será um processo rápido nem fácil, como não é a própria redemocratização da sociedade. Não podemos esquecer que participar das soluções é exigência básica para quem vive o problema no seu dia-a-dia.

Um outro dado sobre o qual precisamos refletir é o de que existem, no Brasil, cerca de 7 milhões de crianças fora da escola e a democratização do ensino tem que levar em conta esta questão. Ensino democrático é aquele ao qual todos podem ter acesso em igualdade de condições e, portanto, a solução definitiva deste problema está condicionada à distribuição de renda, questão essa que transcende os limites de ação da escola. A expansão quantitativa do ensino oficial e gratuito, de modo a atingir setores cada vez mais expressivos de alunos das camadas populares, é condição indispensável para atingirmos esta democratização. Neste sentido, na medida em que as classes menos favorecidas têm acesso à escola, suas carências econômicas e culturais bem como os conflitos de toda ordem por elas experimentado serão trazidos para dentro do sistema de ensino. Para fazer frente a essa realidade é necessário que a escola repense seus objetivos e formas de funcionamento, procurando assegurar não só o acesso, mas também a permanência das crianças, pois esta talvez seja a única oportunidade de adquirir conhecimentos e habilidades que lhes permitam uma compreensão mais coerente da realidade social. É urgente uma reformulação do currículo, pois ele é planejado partindo do pressuposto que a criança domina conceitos que são pré-requisitos para a aprendizagem. Se isto é válido para crianças oriundas da classe média, não o é para as que vivem em ambientes culturalmente pobres. Por outro lado, eles trazem outras experiências que a escola não costuma valorizar. Esta competência a escola tem que desenvolver. A formação dos professores é outro aspecto que merece destaque. É imprescindível a reformulação dos currículos dos cursos de formação ao mesmo tempo em que se precisa investir no professor que está atuando, oferecendo-lhe suporte para sua ação. O preparo profissional e político do professor é, mais do que nunca, necessário para atuar nesta nova realidade.

Como vemos nesta breve análise, os desafios são muitos. No entanto, estamos convictos de que é possível chegar às soluções e às respostas a estes desafios se a escola tiver autonomia e assumi-los como compromisso seu. A realidade de cada escola, tal como é sentida e vivenciada por alunos, pais e professores é o ponto de partida par a melhoria do sistema como um todo.

A autonomia da escola se concretiza quando as pessoas que nela atuam deixam de ser executoras de ordens e passam a assumir responsabilidades tendo bem claro os objetivos a serem atingidos. Este é um processo longo que exige da administração um conjunto de ações que visem valorizar e recuperar a dignidade do professor.

Volto a enfatizar que estas ações se traduzem em remuneração justa, valorização da carreira, realização de concursos para ingresso, mas também oportunidade de ele ser ouvido e diálogo com suas entidades representativas. A nível de Rio Grande do Sul, pela organização do Magistério, algumas conquistas já foram alcançadas, mas muitas outras ainda hoje são bandeira de luta da classe. Entretanto, a nível nacional, estamos muito longe de atingirmos o grau desejado. Mas estamos às portas de uma nova Constituição e esperamos que os debates, as reflexões, as sugestões que se multiplicam por todo País não serão em vão. Elas haverão de ser aproveitadas por aqueles que terão a responsabilidade de redigir a nova Carta, fazendo suas as aspirações de todo o Magistério. Neste sentido, vemos como de suma importância neste processo os debates que a categoria vem realizando com o objetivo de clarificar e aprofundar idéias e soluções que virão a contribuir para o esclarecimento de todos. Estamos convictos de que, com um trabalho organizado e firme determinação política, chegaremos aos resultados esperados.

Como dizia o Ver. Antonio Hohlfeldt, não teremos tanta convicção de que esta Constituição, se não nos regimentarmos, se não tivermos união, se não estivermos definidos pelo que desejamos e possamos ouvir. Para isso é importante que saibamos escolher nossos representantes, os quais deverão ser pessoas que deverão cumprir com suas obrigações, com os compromissos da nossa categoria.

Externo minha satisfação em poder prestar esta homenagem à classe do Magistério em nome do PMDB e PCB; Magistério, esta classe a qual também pertenço, tem um valor imensurável em favor da educação em nosso País. Muito obrigada. (Palmas.)

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: Falará o Sr. Martim Barbosa em nome dos professores.

 

O SR. MARTIM BARBOSA: Nós gostaríamos, em nome do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul, de cumprimentar todos os nossos companheiros de Mesa, especialmente a Vera. Gladis Mantelli, na Presidência dos trabalhos, pela iniciativa deste ato, e dizer em nome de todos os professores do Rio Grande do Sul, especialmente aos que são sócios da nossa entidade, de que nós, professores, até por tudo que foi dito aqui, temos bem claro que o nosso dia é hoje um dia que clama por um grande compromisso de cada um de nós, tanto como educadores, tanto como cidadão, sabemos do compromisso que temos, e sabemos que, lamentavelmente, para a grande maioria dos professores públicos deste País, o dia 15 de outubro é um dia de pesar. De pesar no sentido de medir o que se conquistou até aqui e avaliar para criar a perspectiva de avançarmos, de pesar no sentido de lamentar o quanto de descaso se tem feito em relação à educação pública em nosso País.

Mas nós queremos agradecer esta homenagem e deixar a nossa convicção de que nós, professores, somos teimosos e otimistas, porque teimamos em avançar e em corrigir, porque temos a convicção de que a nossa luta haverá de levar a educação a dar uma resposta em direção a uma educação melhor, porque nós queremos uma sociedade melhor.

E esta nossa convicção é que faz com que venhamos aqui, em nome do CPERS, agradecer esta homenagem e dizer a todos que nós vamos continuar na luta, para que cada dia do ano seja um dia de homenagem à educação, para que nós possamos contribuir com a perspectiva de transformar o social que todos nós queremos. Muito obrigado. (Palmas.)

(Não revisto pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Gladis Mantelli): Na oportunidade do encerramento da Sessão Solene, solicito aos professores que permaneçam para que nós, imediatamente após, façamos o debate em que teremos como expositores o Prof. Martim Saraiva Barbosa, que falará sobre verbas para a educação no ensino público gratuito; o Professor Balduino Andreola, que falará sobre a qualidade de ensino; a Profa. Irene Gomes Brinco, que falará sobre municipalização do ensino, e o nosso companheiro Valdir José Bohngass que falará sobre a organização popular.

Eu gostaria de agradecer, neste momento, ao encerrar, a presença do Professor Alfredo Santos, representando neste ato o Sr. Secretário de Educação do Estado do Rio Grande do Sul; ao Deputado Hermes Zanetti, Secretário de Assuntos Internacionais da Confederação de Professores do Brasil; ao Prof. Martim Saraiva Barbosa, representando o Centro dos Professores; à Profa. Ana Lúcia Velinho D’Angelo, Presidente da Associação dos Professores Municipais; à Profa. Antônia Medina, Diretora da Divisão de Ensino Escolar da Secretaria Municipal de Educação e Cultura do Município de Porto Alegre, representando neste ato a Secretária Profa. Neuza Canabarro, e ao Sr. Valdir José Bohngass, Presidente da União de Associações de Moradores de Porto Alegre.

Nada mais havendo a tratar, e agradecendo a presença dos Srs. Convidados, encerro a presente Sessão Solene, convocando os Srs. Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental.

Estão levantados os trabalhos.

 

(Levanta-se a Sessão às 16h.)

 

Sala das Sessões do Palácio Aloísio Filho, 14 de outubro de 1986.

 

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